segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Imagine um homem de 35 anos. Todas as manhãs ele pega o carro, entra no escritório, classifica arquivos, almoça na cidade, joga na lotérica, reclassifica arquivos, sai do trabalho, bebe uma cerveja, regressa a casa, encontra a mulher, beija os filhos, come um bife vendo televisão, deita-se, fornica, adormece. Quem reduz a vida de um homem a essa lamentável sequência de clichês? Um jornalista, um policial, um pesquisador, um romancista populista? De modo nenhum. É ele próprio, é o homem de que falo que se esforça em decompor o dia em uma sequência de posses escolhidas mais ou menos inconscientemente no meio de uma gama de estereótipos dominantes. Arrastado de corpo e de consciência perdidos, numa sedução de imagens sucessivas, desvia-se do prazer autêntico para ganhar, por um ascese de paixão, uma alegria adulterada, excessivamente demonstrativa para ser mais do que fachada. Os papéis assumidos um após o outro lhe proporcionam uma titilação de satisfação quando consegue modelá-los fielmente em estereótipos. A satisfação do papel bem desempenhado é diretamente proporcional á distância com que ele se afasta de si próprio, com que se nega, com que se auto-sacrifica.


Raoul Vaneigem

Nenhum comentário:

Postar um comentário